Pular para o conteúdo principal

O Narciso de cada um

        Na geração do Instagram, facebook, dos likes e dos selfies, a exaltação a própria imagem é algo banal na vida cotidiana. Mas será isso um fenômeno contemporâneo? Na verdade, apenas a forma como se dá esse culto a si mesmo é que se transformou, mas o fenômeno em si já é retratado desde a Grécia Antiga, simbolizada por Narciso.
      Segundo a mitologia grega, Narciso era um jovem belo filho do Deus Cefiso e da ninfa Liríope. Antes do seu nascimento, um oráculo previu que o belo rapaz teria uma vida longa e próspera contanto que nunca visse o próprio rosto. O jovem então cresceu e se tornou ainda mais belo, despertando amor tanto nos homens quantos nas mulheres da região de Beócia. Um dia uma ninfa chamada Eco se apaixonou perdidamente por Narciso, mas este a desprezava. As moças e rapazes desprezados por ele pediram aos deuses para dar uma lição em Narciso, fazendo-o se apaixonar por si mesmo. O rapaz, encantado com a própria beleza não resistiu e deitou-se no leito do rio Estige e viu seu reflexo nas águas, posteriormente definhando e cometendo suicídio admirando a própria imagem. Depois disso Afrodite o transforma numa flor (narciso).

Narciso
Por Caravaggio, 1594-1596
 
     Com essa história da mitologia, surgiu o termo Narcisismo, que define o indivíduo que excessivamente admira a própria imagem e nutre uma paixão exagerada por si mesmo. Diversos artistas retrataram em suas obras o mito de Narciso, como Caravaggio, Nicolas Poussin, John William Waterhouse e Benczúr Gyula, como você pode ver no final do post. Caetano Veloso também cita Narciso em sua clássica música, Sampa, onde ele diz:

"Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho"


         Segundo Sigmund Freud, o narcisismo é uma característica comum a todos os seres humanos e está intrinsecamente relacionado com o desenvolvimento da libido. De acordo seus estudos, o narcisismo pode ser dividido em duas etapas: narcisismo primário, que é uma fase auto-erótica; e o narcisismo secundário que ocorre quando o indivíduo desenvolve seu ego e consegue diferenciar os seus desejos e o que o atrai nos outros.
         Nessa Era em que estamos inseridos, o culto a própria imagem ganhou uma nova dimensão e passou a ser meio de vida de muitas pessoas pelo mundo. O Instagram é hoje o maior culto narcisista que existe, onde os usuários tentam mostrar a todos a melhor versão de si mesmo. O grande porém é que essa melhor versão raramente reflete a realidade da vida de cada um. A meta não é ser verdadeiro. O objetivo principal é ser conhecido, ter seguidores e likes.
             Essa busca implacável por uma vida digital de "sucesso" gera uma grande frustração na vida dos que por algum motivo não conseguem chegar nesse patamar de "estrela" e nem conseguem o reconhecimento, nem seguidores, nem likes, nem coments, etc... Esse sucesso vazio é como uma corrida num circuito oval. Por mais "sucesso" se consiga, mais você tem a impressão de estar no mesmo lugar, justamente por que esses likes e followers são números digitais que não são palpáveis e nem lhe trarão felicidade, autoconhecimento ou experiências verdadeiras. 
         Não devemos colocar nossa felicidade na dependência de coisas efêmeras nem muito menos basear o sucesso em cima de números insignificantes. É preciso sim cultivar o Narciso de cada um de nós, mas de uma forma diferente: SE AMANDO. Não se idolatrando nem se achando melhor que ninguém, mas amando quem você é, aceitando seu corpo e também reconhecendo suas falhas, buscando melhorá-las. Amor próprio é a base de qualquer vida equilibrada. Não é possível viver bem a vida inteira apoiando a felicidade nos outros. Os relacionamentos, por exemplo, são complementos e esteios pros momentos bons e ruins. É preciso saber controlar a dose de Narciso em cada um de nós, amando nossa versão de verdade, não a fachada de fantasia que muitas vezes criamos em redes sociais. AMOR PRÓPRIO é a receita real pra uma vida feliz de verdade. Afinal, "if you can't love yourself, how the hell you're gonna love somedoby else?"

Can I get an AMEN?









Veja mais retratos de Narciso:
Eco e Narciso
John William Waterhouse, 1903

Narciso
Benczúr Gyula, 1881 


Narciso e Eco
Por Nicolas Poussin, 1629-1630

Comentários